As PAS e o Trabalho: Resultados de Pesquisa #2
Uma pesquisa internacional sobre as Pessoas Altamente Sensíveis e o Trabalho, realizada por nós em conjunto com uma pesquisadora holandesa sobre o traço, revela qual a realidade das PAS nos seus ambientes de trabalho. Segunda parte!
Por: Rosalira dos Santos – Postado originalmente em Ame a Sua Sensibilidade
Na primeira parte da análise dos resultados da Pesquisa Internacional sobre as Pessoas Altamente Sensíveis e o Trabalho, vimos como é importante para uma PAS ter um trabalho com significado em um lugar com pouco ruído e um bom ambiente. Nesta segunda parte trataremos das condições de trabalho que são consideradas ideais e daquelas que podem ser danosas não somente para o nosso desempenho profissional, como também, para a nossa saúde física e mental.
Como seria um ambiente de trabalho ideal para uma PAS?
Uma boa percepção de quanto o modo de trabalho vigente pode ser exaustivo para as Pessoas Altamente Sensíveis (PAS) aparece na resposta à pergunta sobre a carga horária ideal. A maioria dos participantes (36%) apontou que jornadas entre 24 e 32 horas semanais seriam ideais. O segundo maior grupo (26%) indicou preferir de 16 a 24 horas por semana. Ou seja, 62% desejam uma rotina profissional reduzida — o que aponta para o desejo de mais tempo de recuperação e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Esses dados refletem a realidade sensorial e emocional das PAS, que absorvem mais estímulos do ambiente e se esgotam com mais facilidade. O modelo tradicional de 40 ou mais horas semanais frequentemente gera sobrecarga, afetando saúde física e mental. A busca por uma jornada menor não significa falta de comprometimento, mas uma tentativa de preservar o bem-estar e a produtividade em um ritmo mais adequado ao seu funcionamento.
Trabalho ideal: clareza, empatia e autonomia
As perguntas seguintes exploraram o modelo ideal de organização do trabalho para PAS. A maioria destacou a importância da comunicação clara: “instruções claras” foi a opção mais escolhida (78%), superando até “salário justo” (76%). Em seguida, vieram “sentir-se compreendido” e “horários flexíveis” (ambos com 73%), e “liderança inspiradora” (70%).
Esses números reforçam que a clareza nas expectativas e tarefas é essencial para que as PAS trabalhem com confiança. Ambientes pouco definidos geram ansiedade e frustração. Como pessoas reflexivas e comprometidas, as PAS tendem a planejar com profundidade suas ações — o que se perde se não houver um alinhamento claro com seus gestores.
Juntando esses fatores, o modelo ideal inclui autonomia, apoio empático da liderança, metas bem definidas e um ambiente flexível e respeitoso. É um espaço que valoriza o cuidado, o propósito e o equilíbrio.
- “Clareza de comunicação faz toda a diferença, além de cuidado no gerenciamento das tarefas principalmente quando se é líder. Além de confiança nas habilidades da equipe e feedback.”
- “Ambiente menos competitivo; hierarquia e mais horizontalidade.”
- “Planejamento das atividades/ações/capacitações com metodologia de Rodas de conversa, realizadas periodicamente”
Antes de encerrar a análise sobre esta pergunta, considero importante chamar a atenção para dois aspectos que merecem destaque em nossa leitura:
Salário justo ao invés de salário alto – salário justo.
Foi escolhido por 222 participantes, enquanto a opção salário alto foi marcada por apenas 66 participantes. Este é um bom indicativo da relação das PAS com o trabalho/carreira. Trata-se aqui de receber uma remuneração avaliada, de acordo com os seus valores, como merecida em função de um trabalho bem feito e não de receber o máximo de dinheiro possível, independente da natureza da sua contribuição.
Relações cooperativas ao invés de competitivas:
O outro aspecto do trabalho ideal é, é claro, a convivência e a cooperação com os colegas de trabalho. Se contrastarmos as respostas mais citadas – “ajuda mútua em caso de necessidade” (68%), “confiança mútua” (63%) e “sentir-me compreendido (a)” (60%) – com aquelas menos votadas – “fazer pausas juntos para almoço, cafezinho, etc.” (26%) ”trabalhar em equipe para executar tarefas”(20%) e “excursões/saídas regulares em grupo”(11%), veremos como as PAS priorizam relacionamentos profundos e significativos, não estando particularmente interessadas nos contatos superficiais que constituem a regra nos ambientes de trabalho. Também parece não haver muito interesse em contatos sociais tipicamente instrumentais, já que mais da metade dos respondentes (58%) declararam que preferem “executar sozinhos suas tarefas”.
É claro que estas respostas estão também relacionadas à presença significativa (62%) de introvertidos em nossa amostra, mas considerando que este número ainda está abaixo do percentual atribuído pela dra. Elaine Aron, que afirma que cerca de 70% das PAS são introvertidas, podemos considerar que elas traduzem uma atitude predominante entre os altamente sensíveis. Enfim, tudo parece indicar que as PAS tendem a desejar uma convivência marcada pela cortesia, mas distanciada. A não ser nos casos em que lhes é possível estabelecer uma conexão mais profunda com os colegas de trabalho.
O quê as PAS trazem à mesa
Por outro lado, embora de modo geral se recusem a fazer autopropaganda, as PAS, parecem ter uma visão muito clara do seu valor pessoal e da contribuição que aportam ao seu ambiente de trabalho. Em resposta à pergunta sobre seus pontos fortes no trabalho, as respostas mais votadas foram: “senso de responsabilidade” (82%), “empatia” (78%), “ser bom ouvinte” (73%), “forte intuição” e “mente aberta” (ambas com 68%), além de “pensamento criativo” e “atenção aos detalhes”, ambas com 67% de escolha.
O traço como um fardo ou uma dádiva
Em franco contraste com esta percepção das suas qualidades/talentos, quando perguntados sobre até que ponto considerama alta sensibilidade como um ativo na sua carreira/trabalho, os participantes da pesquisa foram bastante reticentes. A média das respostas atribuiu um valor 6,5, numa escala de 01 a 10, ao traço da alta sensibilidade enquanto um ativo na sua vida profissional.
Essa aparente divergência pode ter duas explicações possíveis. A primeira é que os aspectos difíceis do traço chamam mais atenção dos participantes. A segunda, mais provável, é o pouco conhecimento sobre a alta sensibilidade no Brasil e em países de língua portuguesa. Por isso, muitos participantes não reconhecem seus pontos fortes como características ligadas ao traço. Vale lembrar que 42% dos entrevistados não tinham certeza se eram pessoas altamente sensíveis. Esse dado sugere que o valor citado não reflete desconforto com a sensibilidade. Ele parece indicar um desconhecimento da ligação entre suas qualidades e o traço de personalidade.
Esta hipótese encontra apoio na resposta à pergunta seguinte: até que ponto os participantes consideram a alta sensibilidade como um fardo. E aqui chegamos a um número muito aproximado ao da questão anterior (6,0 numa escala de 01 a 10), o que parece indicar que os participantes da pesquisa avaliam o impacto da sua sensibilidade no trabalho de forma neutra. Como dissemos antes uma das explicações possíveis seria o pouco conhecimento sobre a maneira como o traço influencia na sua personalidade, comportamento e aspirações em termos profissionais. Desconhecimento este que, esperamos, que a própria divulgação dos resultados desta pesquisa contribua para diminuir.
Perigo das 9 às 6
Sobre um dos maiores perigos em ser uma PAS e lidar com os ambientes profissionais contemporâneos: o esgotamento e o burnout, um alarmante total de 75% dos participantes da Pesquisa declararam terem tido, ou estarem tendo no momento, um episódio de burnout. Um dado que é ainda mais significativo se considerarmos que muitos destes mesmos participantes (27%) se identificaram como estudantes e que um número semelhante (26%) se encontra na faixa etária que vai dos 18 aos 25 anos, sendo, portanto, pessoas que estão se iniciando na vida profissional.
Entre os participantes que declararam já terem tido episódios de burnoutindicaram os seguintes fatores como os principais indutores desta condição: “carga de trabalho exaustiva” (68%); “falta de apoio no trabalho” (64%); “personalidade” (54%); “tédio no trabalho” (41%)” e “falta de apoio em casa” (40%).
Este conjunto de respostas nos dá um quadro bastante aproximado do risco que as PAS correm quando não conseguem se defender das exigências desmedidas dos ambientes laborais contemporâneos. A carga de trabalho de 08 horas semanais (que muitas vezes é extrapolada) é claramente esgotadora para quem absorve tantos estímulos/informações ao longo do dia. A falta de apoio e o tédio no trabalho muito provavelmente traduzem temas já trabalhados por nós nesse texto. Como, por exemplo, a falta de instruções claras, a hierarquia que tolhe a criatividade e a falta de autonomia no desempenho das tarefas.
E, por fim, o item “personalidade” nos parece importante. Ele aponta um reconhecimento, ainda pequeno, do peso que esse traço exerce sobre nossa vulnerabilidade. Essa vulnerabilidade ao estresse impacta diretamente o risco de esgotamento físico e mental, algo comum entre pessoas altamente sensíveis.
Vejamos alguns depoimentos que ilustram esses temas:
- “Muitas coisas ocorrendo, prazos, pressões.”
- “Impossível acompanhar tal ritmo de tarefas em tão pouco tempo”
- “Trabalhar na área da saúde pública é exaustivo, independente da carga horaria”.
- “Poucos funcionários, grande demanda, sem pausas para descanso, sem horário de saída”
- “Colegas desrespeitosos, falta de reconhecimento, pressão, tarefas mal executadas por colegas, falta de clareza nas tarefas”
- “Tinha muitas turmas para dar aula e sempre era exigido muito, além do normal”.
- “Descobri que trabalhar me sentindo útil e vendo sentido no que eu faço faz uma diferença enorme na minha vida. Acredito que isso tenha a ver com a minha personalidade. Mas não sei descreve-la…”
- “Excesso de auto exigência… queria dar conta de diversas atividades ao mesmo tempo. Eram muitos estímulos”
A tensão entre o mundo do trabalho e a sensibilidade
Como se vê, há um claro descompasso entre o que o trabalho exige e o ritmo natural das pessoas altamente sensíveis (PAS). Esse descompasso gera estresse e ansiedade e, muitas vezes, culmina em episódios de esgotamento mental ou burnout. Um fator que agrava essa situação é a tendência das PAS a suportarem mais do que deveriam. Muitas tentam se adaptar às exigências externas, mesmo que isso custe sua saúde física e emocional. Quando perguntadas se tiram mais licenças médicas do que os colegas, 57% responderam que tiram menos. Esse dado, comparado ao número de PAS em burnout, reforça a tendência de suportar além do limite. Mesmo em situações perigosas, as PAS continuam a trabalhar tentando se mostrar à altura das demandas.
O que PAS precisam no ambiente de trabalho
Com base nesses dados, podemos traçar um retrato da PAS no contexto profissional. Para se realizarem no trabalho, PAS precisam sentir que o que fazem tem um propósito. Elas também desejam utilizar todo o seu potencial, incluindo seus talentos e capacidades criativas. Além disso, valorizam a autonomia para realizar tarefas, ao invés de seguir ordens mecânicas. Em troca, PAS oferecem qualidades valiosas aos ambientes profissionais do século XXI. Elas são versáteis, criativas, responsáveis e enxergam além do imediato. Com isso, conseguem prever as consequências de decisões antes que elas se concretizem. Essas são qualidades importantes que os locais de trabalho não deveriam ignorar.
Agradeço a todos que participaram da pesquisa.
Espero que os resultados ajudem a construir ambientes onde possamos florescer e contribuir para uma sociedade melhor.
Beijos e bênçãos e até o próximo artigo.
Sobre a Autora:
Rosalira Oliveira
Rosalira Oliveira é a criadora do site e do Programa Ame Sua Sensibilidade, cujo objetivo é ajudar pessoas altamente sensíveis a compreender e integrar esta característica, reconhecendo-a como um dom, tanto para elas mesmas quanto para as pessoas com as quais convivem.
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Oi, meu nome é Rosalira Oliveira e eu sou a criadora deste site e do Programa Ame Sua Sensibilidade. Meu objetivo é ajudar pessoas altamente sensíveis a compreender e integrar esta característica, reconhecendo-a como um dom, tanto para elas mesmas quanto para as pessoas com as quais convivem. Por quê? Porque conheço bem a sensação de viver se sentindo diferente das demais pessoas, tendo a nítida impressão de que existe algo errado com você. Essa foi, por muito tempo, a minha história.